As mulheres esquecidas da trilha sonora: quem são as compositoras premiadas com o Oscar?

Por Aline | @alinecomposer | www.uterus.com.br





 

As mulheres esquecidas da trilha sonora: quem são as compositoras premiadas com o Oscar?

Por Aline | @alinecomposer | www.uterus.com.br

Durante a cerimônia do Oscar 2025, a cantora e compositora francesa Camille subiu ao palco para receber, ao lado de Clément Ducol e Camille Bazbaz, o prêmio de Melhor Canção Original por “El Mal”, música do filme Emilia Pérez. Camille, conhecida por seu estilo performático e experimental, agradeceu de forma inusitada: cantando um trecho da canção premiada. Sua performance, carregada de teatralidade e expressão vocal fora do comum, foi imediatamente ridicularizada nas redes sociais. Muitas pessoas não entenderam a proposta e a classificaram como bizarra ou constrangedora.

O que deveria ser um momento de celebração da vitória feminina em uma das principais categorias musicais da noite tornou-se alvo de zombarias — um reflexo preocupante da forma como a performance artística das mulheres ainda é constantemente julgada com padrões desiguais.

Enquanto Camille era premiada, nenhuma mulher foi sequer indicada na categoria de Melhor Trilha Sonora Original. Isso evidencia um padrão histórico: as mulheres raramente recebem reconhecimento institucional quando o assunto é compor para cinema — especialmente trilhas sonoras completas.

Compositoras premiadas com o Oscar de Melhor Trilha Sonora Original

Rachel Portman

Rachel Portman foi a primeira mulher a vencer o Oscar na categoria de Melhor Trilha Sonora Original. O prêmio veio em 1996, pelo filme Emma, adaptação da obra de Jane Austen. Com formação clássica, a britânica se destacou por seu estilo delicado, emocional e elegantemente orquestrado. Suas trilhas são reconhecidas pela leveza melódica e pelo equilíbrio entre tradição e sensibilidade contemporânea. Portman também foi indicada por Chocolate (2000) e Regras da Vida (1999).

Rachel Portman

Anne Dudley

Anne Dudley venceu em 1998 com a trilha sonora do filme britânico The Full Monty, uma comédia dramática sobre desempregados que decidem se apresentar como strippers. Pianista e arranjadora, Dudley tem uma carreira eclética: transitou entre o universo da música clássica e do pop eletrônico como integrante do grupo Art of Noise. Seu trabalho como compositora inclui trilhas orquestrais com um toque de irreverência, sempre muito conectadas com o clima e o humor dos filmes que acompanha.

Anne Dudley

Hildur Guðnadóttir

Em 2020, a compositora islandesa Hildur Guðnadóttir fez história ao vencer o Oscar por sua trilha para Coringa. Sua música, atmosférica e densa, foi essencial para transmitir o mergulho psicológico do personagem. Hildur é conhecida por seu trabalho em séries como Chernobyl (HBO), que também lhe rendeu prêmios, e por uma estética que combina sons experimentais, eletrônicos e gravações com instrumentos acústicos processados. Sua vitória marcou um momento importante de reconhecimento artístico para mulheres na música de cinema contemporânea.

Hildur Guðnadóttir

Desigualdade em números

Gráfico de pizza mostrando desigualdade de gênero

CategoriaPrêmios TotaisHomens PremiadosMulheres Premiadas% Mulheres
Melhor Trilha Sonora Original949133,3%
Melhor Canção Original96~16718~9,7%

Compositoras premiadas com o Oscar de Melhor Canção Original

A categoria de Melhor Canção Original reconhece músicas criadas especialmente para filmes, muitas vezes interpretadas nos próprios créditos ou cenas marcantes. Apesar de mais acessível para mulheres do que a categoria de trilha sonora, a disparidade ainda persiste.

Aqui estão algumas das mulheres que marcaram presença com vitórias memoráveis:

  • Marilyn Bergman – Ganhou com seu marido Alan Bergman e Marvin Hamlisch por “The Way We Were” (1974).
  • Irene Cara – Em 1984, venceu com “Flashdance… What a Feeling”, tornando-se uma das raríssimas mulheres negras a receber o Oscar de canção.
  • Kristen Anderson-Lopez – Recebeu dois Oscars com seu parceiro Robert Lopez por “Let It Go” (2014) e “Remember Me” (2018).
  • Billie Eilish – Vencedora em 2022 por “No Time To Die”, tema do filme de James Bond.
  • H.E.R. – Conquistou o Oscar em 2021 por “Fight For You”, música do filme Judas and the Black Messiah.

Embora os números sejam um pouco melhores do que na categoria de trilha sonora, o Oscar ainda premiou menos de 10% de compositoras mulheres ao longo de quase um século — e pouquíssimas eram negras, latinas ou asiáticas.

Comparativo direto entre categorias

CategoriaPrêmios totaisHomensMulheres% Mulheres
Trilha Sonora Original949133,3%
Canção Original96~16718~9,7%

O abismo é evidente, mas a comparação mostra que há mais caminhos de acesso feminino pela canção do que pela trilha instrumental completa — o que também revela uma certa reserva de espaços criativos, onde mulheres são mais aceitas em papéis líricos, mas não orquestrais ou técnicos.

Oscar 2025: e as mulheres?

Na categoria de Melhor Trilha Sonora Original, os indicados de 2025 foram:

  • Hans Zimmer – Duna: Parte Dois
  • Daniel Blumberg – O Brutalista
  • Nicholas Britell – Conclave
  • Jonny Greenwood – A Substância
  • Clément Ducol & Camille Bazbaz – Emilia Pérez (indicados na categoria de Melhor Canção Original, não trilha sonora)

Todos os compositores indicados à categoria de Melhor Trilha Sonora Original são homens. Nenhuma mulher recebeu reconhecimento nessa categoria em 2025. É importante destacar que Camille, vencedora por uma canção original no mesmo filme, foi uma das poucas mulheres premiadas na cerimônia. Ainda assim, sua performance foi alvo de escárnio público — um reflexo da fragilidade dos espaços simbólicos conquistados pelas mulheres, mesmo quando premiadas.

Por que isso acontece?

A ausência de mulheres nas trilhas sonoras premiadas não se deve à falta de talento, mas sim à reprodução de barreiras estruturais dentro da indústria cinematográfica. Alguns fatores que colaboram para essa exclusão incluem:

  • Domínio masculino nas redes de contratação em Hollywood
  • Baixa visibilidade e acesso de mulheres a filmes de grande orçamento
  • Preconceitos estéticos que desvalorizam estilos musicais associados a mulheres
  • Falta de diversidade racial, étnica e cultural entre os votantes do Oscar

Como podemos mudar?

Avançar em direção a uma indústria mais igualitária exige ação coordenada de diversos setores. Algumas medidas fundamentais incluem:

  • Criação de programas de formação musical voltados para meninas e jovens mulheres
  • Investimento em bolsas, editais e residências para compositoras
  • Compromisso das produtoras em contratar mulheres para projetos de todos os gêneros e orçamentos
  • Pressão pública por maior representatividade nas indicações das premiações

Por que importa?

Quando uma mulher é premiada, ela se torna espelho. A representatividade não é apenas sobre estatísticas — é sobre imaginar possibilidades. Ver mulheres compondo, conduzindo e criando a trilha da nossa emoção cinematográfica é essencial para reequilibrar o imaginário de quem pode ocupar esses espaços.

Fontes

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