Mais uma vez trago uma menina prodígio para o blog. Por que meninas-prodígio me chamam a atenção? Simplesmente porque não costumo encontrá-las na história, especialmente na história da música. Considero importante mostrar às pessoas que também existem meninas prodígios na música, além de W. A. Mozart.
Acompanhar a carreira musical de Alma pode trazer inspiração para meninas, assim como W. A. Mozart inspirou tantas pessoas. Alma é a prova de que é possível uma menina desenvolver conhecimentos considerados intelectuais para a área da música. Alma é uma referência de musicista e compositora jovem. A invisibilidade das mulheres no contexto musical internacional e brasileiro, principalmente nos papéis de compositoras, é ainda uma realidade que vem se transformando a passos lentos. Trazer à discussão e conhecer essa artista desde a formação inicial na educação musical de meninas é muito importante.
Neste artigo vamos conhecer um pouco sobre a pequena compositora inglesa Alma Deutscher. Vamos conhecer algumas obras e discutir sobre questões polêmicas que geralmente prodígios trazem à tona. Espero que a história de Alma Deutscher traga mais inspirações do que frustrações. Para educadoras musicais, Alma pode trazer reflexões interessantes sobre a relação da criança com o trabalho e as possibilidades do desenvolvimento musical a partir de diferentes contextos.
Quem é Alma Deutscher?
Alma Elizabeth Deuscher é uma menina-prodígio inglesa na área da música. Compositora de peças que seguem o estilo de tradição européia e compõe desde os 6 anos de idade. Hoje, aos 14 anos de idade, apresenta um currículo impressionante. Além de pianista e violinista, ela também canta. Em seu site, conta que nasceu em 2005, iniciou seus estudos em música muito cedo, aos 2 anos de idade. Filha de pais intelectuais e músicos amadores: Janie Deutscher, professora de literatura, e de Guy Deutscher, linguista e professor israelense.
Alma Deutscher estudou violino e piano. Começou a criar melodias e aos seis anos de idade completou sua primeira composição: Sonata para piano em Mi bemol maior. Graças à tecnologia e a divulgação de seu trabalho podemos conhecer a sua obra. Mas é estranho falar em trabalho quando se trata de uma menina de 6 anos. Conforme seus pais contam, sua aparição na impressa foi causada pelo fenômeno das redes sociais. Um amigo criou um canal no youtube para compartilhar com a família as composições de Alma, que logo viralizou a fama de menina-prodígio e muitos repórteres surgiram.
Alma já vende suas partituras através da internet, encontrei por preços acessíveis no site da Amazon. O desenho na capa da partitura grita que se trata de obras de uma criança e muitas questões me vieram a mente. Suas mãos tão pequenas aos 6 anos de idade já apresentam força nos polegares suficientes para tocar como na performance do vídeo acima. Como uma menina tão jovem consegue lidar com compromissos tão importantes? Mas o que impressiona ainda mais é a sua performance no palco. Para quem já subiu num palco ou só de imaginar essa situação, esse pensamento pode causar calafrios. Mas não são calafrios, medo, insegurança, ou qualquer um desses sentimentos negativos que percebemos ao assistir aos vídeos das performances de Alma Deutscher. A menina, já adolescente, parece se divertir e demonstra muita leveza e expressividade em alta concentração.
Alma Deutscher também escreveu um concerto para violino em Sol menor aos 9 anos de idade. Mais de trinta e cinco minutos de música, solada por ela própria ao violino. Em três movimentos: 1. Allegro maestoso, 2. Romaza e 3. Allegro scherzando.
Já na pré-adolescência, alma compõe um concerto para piano, que é apresentado pela primeira vez no Festival de Verão da Caríntia, 16 de julho de 2017 pela Orquestra de Câmara de Viena, regido pelo maestro Joji Hattori. O concerto tem 3 movimentos: 1. Allegro, 2. Adagio e 3. Allegro giocoso. Abaixo Alma explica como compôs a obra:
O primeiro movimento representa o conflito entre a escuridão e a luz. A introdução orquestral tem apenas dois compassos em Mi bemol maior no começo, mas então mergulha na escuridão no terceiro compasso. O resto da introdução é menor, principalmente em Mi menor. Mas a entrada do piano traz de volta a luz, com uma versão muito mais feliz do tema orquestral. A escuridão tenta voltar em alguns pontos, especialmente no final, mas a luz finalmente a supera.
Eu terminei o segundo movimento, o Adagio, em fevereiro deste ano (2017). Seu tema principal me ocorreu quando fiquei muito triste: estava improvisando no piano de minha avó, em sua casa, alguns dias depois de sua morte. O movimento está em uma tonalidade bastante incomum, B-bemol menor, que talvez não seja tão confortável para a orquestra, mas é a tonalidade na qual ouvi pela primeira vez a melodia em minha cabeça, e não queria mudá-la.
O terceiro movimento é dois anos mais velho – é uma mistura entre o Rondo e variações joculares sobre um tema, que eu ouvi no meio da noite quando eu tinha oito anos de idade. Durante o movimento, há bastante discussão entre o solista e a orquestra. Mas no final, o solista e a orquestra fazem as pazes e continuam a brincar felizes juntos.
Ópera Cinderella by Alma Deutscher
A grande obra de Alma Deutscher é a Ópera Cinderella. Esta obra foi gravada em DVD em 2017 pela Sony Classical pela Opera San Jose e pelo Packard Humanities Institute. Alma iniciou a composição aos 8 anos de idade e a finalizou aos 12 anos. A obra já foi apresentada em Israel, Áustria e Estados Unidos.
A obra narra a história de uma Cinderella diferente do conto de fadas tradicional. E revela a imaginação da compositora que carrega elementos como o casamento, o romance e a competição entre mulheres para a peça. No entanto, Alma preza pela inteligência da personagem principal, a Cinderella, e a transforma em uma compositora que não perde seus sapatos. Alma recria o conto de fadas a sua maneira.
Deutscher explicou:
Eu não queria que Cinderela fosse apenas bonita. Eu queria que ela tivesse sua própria mente e seu próprio espírito. E ser um pouco como eu. Então eu decidi que ela seria uma compositora.
Como educadora musical, preocupo-me em como será o futuro profissional de uma menina tão encantadora como Alma. Se tão cedo, aos 14 anos de idade, já domina a música tradicional de concerto, qual será a sua trajetória de formação? Será que Alma vive o auge de sua carreira? Alma se interessará por música contemporânea e/ou eletroacústica? Continuará seguindo a carreira musical? Qual será o seu papel como musicista compositora para a história? Será apagada? Invisibilizada? Será tratada como eterna criança prodígio? Que música Alma produzirá no futuro?
Outro ponto que chama a minha atenção é a estrutura que os pais de Alma felizmente puderam proporcionar à ela. Fico imaginando também se mais crianças tivessem a mesma estrutura que Alma teve e tem para o seu desenvolvimento musical. Certamente, ela foi apreciou música de concerto desde seu nascimento e vive no contexto cultural voltado à essa música. Ter um piano e um violino para estudar desde criança é algo bastante raro para o contexto brasileiro. Inclusive o acesso à instrumentos mais populares no país, como o teclado eletrônico e o violão, também não são de tão fácil acesso para a população. A orientação de um bom profissional da música desde cedo de forma didática, faz muita diferença na formação de qualquer pessoa. E aprendizagem evolui de forma muito mais significativa.
Para mim, pessoas prodígios nada mais são que amantes de uma área, que conseguem focar intensamente num único objetivo. E por isso mesmo podem apresentar déficits em outros setores da vida. Essa imersão profunda numa área exclusiva faz com que sejam brilhantes em suas paixões.
Por fim, incentivo aos leitores que vale a pena visitar o site de Alma Deutscher e conhecer suas obras. É uma menina encantadora. Vamos torcer para que a sua carreira tenha uma vida longa e de surpresas cada vez mais positivas. E que Deutscher torne-se uma incentivadora e formadora de meninas profissionais na carreira da composição musical.
Referências
Sites:
Muito boa a apresentação sobre esta jovem prodígio. Me fez conhecê-la melhor.
Mas sugiro duas modificações na tradução da explicação dela sobre o concerto de piano: substituir a a palavra ‘barra’ em “duas barras felizes” e “terceira barra” por compasso, que é como se usa em português; e no terceiro parágrafo, substituir “chave” por ‘tonalidade’ que é a tradução correta para a palavra “key” no jargão musical.
Querido Prof Gilmar,
Fico muito feliz que tenhas se interessado em ler meu texto.
Agradeço suas sugestões de alterações, realmente necessárias.
Um abraço!