Você já parou para pensar sobre quem são as compositoras brasileiras? E as compositoras gaúchas? Quem são? Existem? Quais são suas obras? O que se sabe sobre suas vidas e carreiras? Como é a relação entre mulher e música? Em virtude de certa ausência de respostas e reflexões sobre estas perguntas, venho colaborar para a discussão trazendo oito fatos sobre a vida e a obra de uma mulher compositora que, provavelmente, você não conhece: Esther Scliar (1926-1978). Em primeiro lugar,  é de grande importância conhecer a existência de referências femininas como  a de Esther Scliar -principalmente, para mulheres estudantes e profissionais da área da música. Conhecer a trajetória profissional dessa compositora servirá como modelo para musicistas em geral, e, sobretudo, fortalecerá reflexões e ações sobre as escolhas futuras de meninas na área da música. Inegavelmente, a trajetória de Esther Scliar nos mostra como uma compositora gaúcha viveu desafios para desenvolver-se profissionalmente. No caso de Esther Scliar, tais desafios a fizeram sair de sua cidade natal e viajar pelo Brasil e fora dele (como homens músicos, tradicionalmente, já faziam). A superação desses desafios, com toda a certeza, teve como finalidade a busca do que mais amava: o conhecimento musical de qualidade. Estudar música erudita nunca foi muito fácil no Brasil, e ainda menos no Rio Grande do Sul, porém os desafios de Scliar eram ainda maiores já que ela viveu em um período no qual não existiam meios de comunicação e interação tão eficientes quanto os existentes hoje. Imagine estudar música sem o acesso às partituras e às gravações de obras importantes, ou ainda, ensinar música sem acesso a materiais didáticos, compor sem editores de partituras, escrevendo e organizando suas ideias musicais à mão, independentemente do número de vozes, instrumentos e de páginas. (Curso de Edição de Partituras clique aqui!) Conhecendo a trajetória de Esther Scliar pode-se perceber o quanto a compositora foi forte e independente. Esther Scliar deixou seu legado através da qualidade de seu trabalho docente bem como de sua obra composicional. Sua história é referência para mulheres que pretendem seguir uma carreira na área da música e incentivar quem já está nesse caminho – Esther Scliar é um exemplo da relação entre mulher e música.

1. Quem foi Ester Scliar?

Fonte: http://musicabrconcerto.blogspot.com.br/2008/03/msica-brasileira-para-sopros-e-piano.html
Esther Scliar. Fonte: http://musicabrconcerto.blogspot.com.br/2008/03/msica-brasileira-para-sopros-e-piano.html
Esther Scliar nasceu em Porto Alegre em 1926. Era conhecida como Nádia Boulanger do Brasil, talvez provavelmente, pela qualidade do seu trabalho. Foi compositora, pianista, regente e educadora musical. Completaria 92 anos em 2018. Viveu 52 anos dedicados exclusivamente à música, uma vez que sua trajetória foi marcada por eventos musicais. O que comprova a relação entre mulher e música. Atuou em cursos de graduação em música como professora de Análise, Morfologia, Teoria, Piano e Composição não só no Rio Grande do Sul, como também no Rio de Janeiro. Alguns autores afirmam que Esther Scliar também foi musicóloga porque era pesquisadora do folclore brasileiro. Além disso, trabalhou como jurada em concursos de composição e ministrou cursos promovidos nas cidades de Curitiba, Brasília, Ouro Preto e Teresópolis no RJ. Faleceu em 1978 no Rio de Janeiro.

2. Que tipo de música Esther Scliar fez?

Esther Scliar escreveu música para diferentes formações. Compôs música coral, instrumental, trilha para cinema e para teatro. Gostava de inserir elementos do folclore brasileiro em suas composições. O autor Vasco Mariz a classificou como uma compositora da segunda geração pós-nacionalista, ao lado de compositores igualmente classificados como Osvaldo Lacerda, Edmundo Villani-Côrtes, Kilza Setti e Brenno Blauth. Segundo Holanda (2005, p. 853), Scliar admirava a obra de Béla Bartók e apresentava traços de nacionalismo e preceitos neoclássicos na Sonata para piano solo de 1961. Ainda sobre a mesma obra, a autora observa características da personalidade da compositora ao aplicar certo rigor no tratamento formal da sonata, que “reflete o temperamento minucioso e autocrítica exacerbada da compositora”.

3. Obras composicionais

Dentre suas obras é importante citar a Sonata para piano solo. Trabalho premiado no concurso de composição da Rádio MEC do Rio de Janeiro em 1961. Conforme Holanda (2005, p.853), foi de grande importância essa premiação para a compositora, pois representava um reconhecimento público de seu trabalho composicional. Para ilustrar, algumas de suas composições que estão disponíveis para apreciação no Youtube e no SoundCloud:
      • Sonata para piano solo 1º movimento: Allegro (1961).

      • Sonata para piano solo 2º movimento:  (1961)

      • Estudo nº1 para violão (1976). 

                             

A versão acima foi a primeira interpretação do Estudo n1 para violão de Esther Scliar executada por Eduardo Camienietzki. A gravação é da década de 1980, quando foi realizado o projeto da FUNARTE que tinha o objetivo de homenagear a compositora.  Esses dados foram relatados pelo próprio Eduardo Camienietzki.
    • Peça coral Lua, lua, lua (1965) versos de Lucia Candall.

4. Qual foi a sua formação musical como mulher na música?

Segundo consta na  Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica (1998), Esther Scliar estudou piano com Judite Pacheco. Depois, ingressou no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, hoje UFRGS, e foi aluna de Ênio de Freitas e Castro, na época, professor de harmonia. Posteriormente, continuou seus estudos de piano com Demófilo Xavier. Após sua diplomação, que ocorreu em 1945, foi para o Rio de Janeiro em 1948 com o intuito de estudar harmonia, contraponto e composição com Hans Joaquim Koellreutter. Logo após, viajou para Veneza com o propósito de estudar regência com Hermann Scherchen ainda em 1948. Koellreutter organizou e levou um grupo de compositores e intérpretes para participarem do Curso Internacional de Regência de Orquestra que ocorreu durante a Bienal de Arte Contemporânea de Veneza. Esther Scliar fazia parte deste grupo juntamente com Eunice Katunda, Miriam Sandbank, Sonia Born, Geni Marcondes, Antonio Sérgi e Afonso Penalva Santos. Este grupo embarcou em um navio para a cidade de Veneza. Uma viagem que levou 20 dias para chegar ao seu destino (Trecho da carta enviada à Eurico Nogueira França e publicada em Correio da Manhã em 17 de Setembro de 1948). Ao retornar ao Brasil no ano seguinte, Scliar ministrou, concomitantemente, aulas de piano, teoria, percepção e análise no Rio de Janeiro. Em resumo, ao retornar à Porto Alegre, em 1952, fundou e regeu o Coro da Associação Juvenil Musical de Porto Alegre. Esse grupo mais tarde tornou-se o Coro de Câmara da Faculdade de Filosofia da UFRGS. Em seguida, participou como pianista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre em 1956. Depois que voltou ao Rio de Janeiro, estudou composição e orquestração com Cláudio Santoro de 1956 a 1958, e, por fim, em 1961 estudou composição com Edino Krieger.

5. Qual foi seu papel na Docência?

Paz (2000) traz um capítulo especial sobre as ideias pedagógicas de Esther Scliar. Além de tratar sobre outras mulheres e seus trabalhos pedagógicos musicais.
Livro de Ermelinda Paz – Pedagogia Musical Brasileira do Séc. XX Fonte: acervo pessoal
De acordo com Ermelinda Paz (2000, p. 79), Esther Scliar conquistou respeito e importância como docente das disciplinas de Percepção e Análise Musical durante sua atuação na Pró-Arte do Rio de Janeiro no período que compreende 1963 a 1975.  Isso porque ela se destacou com seu trabalho e foi responsável pelo desencadeamento de uma consciência mais sólida sobre a importância da formação de qualidade em música no Brasil. Consequentemente, muitos de seus alunos acabaram por se tornar personalidades reconhecidas – dentre eles estavam artistas como Flávio Oliveira,  Guilherme Bauer, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, para citar alguns. Em suma, a atuação docente de Esther Scliar passou por participações em cursos de formação de curta duração como seminários e festivais de música, ensino superior e profissionalizante em música e formação de musical de bailarinas. Na formação no ensino superior trabalhou no Instituto Villa-Lobos, hoje a UNIRIO, na UFRGS e no Pró-Arte no Rio de Janeiro – atuação essa especialmente relevante. Além de ter atuado na Escola de Música Villa-Lobos no Centro do Rio de Janeiro, conforme relatou um ex-aluno Luiz Carlos Araujo.

6. Publicações póstumas

Mulher e Música: publicação póstuma de Esther Scliar
Livro Fraseologia Musical.
Logo após o trágico fim da vida de Esther Scliar, dois livros foram organizados  e publicados.
  • Fraseologia Musical
  • Elementos de Teoria Musical
Ambos são livros compostos pelo material didático utilizado por Esther Scliar para ministrar suas aulas. Essas publicações existem graças ao trabalho de resgate de Leonor Scliar-Cabral, irmã da compositora. Conforme Conrado Silva, no livro Fraseologia Musical a compositora demonstra toda a sua experiência didática e “[…] mergulha numa linguagem abstrata e pouco trilhada, desentranhando exaustivamente alguns dos mecanismos que ligam os elementos no discurso musical” (1982, p. 7). Ele ainda acrescenta que, na época da publicação, “[…] a bibliografia musical brasileira padece de uma falta crônica de material escrito no campo da musicologia, da pedagogia ou da estética musical”(1982, p.7).

a bibliografia musical brasileira padece de uma falta crônica de material escrito no campo da musicologia, da pedagogia ou da estética musical”(1982, p.7).

7. Como foi a vida pessoal de Esther Scliar?

A partir da trajetória exposta de Esther Scliar, pode-se dizer que dedicou sua vida exclusivamente à música. De todo o material encontrado sobre sua vida e obra, não encontrei referências a casamentos da mesma forma que não encontrei nada sobre filhos. Uma vez que foi graças às publicações póstumas que obtive informações a respeito de alguns parentescos como a sua irmã Leonor Scliar-Cabral, bem como sobre sua aluna e amiga Felicia Wang. Além disso, sabe-se sobre a relação de amizade da compositora com Eunice Katunda através da tese de Holanda. Um fato importante de notar na história de vida de Esther Scliar é, sem dúvida, a pessoa independente e livre que foi durante um período histórico bastante conturbado.

8. Onde encontrar mais informações?

Você poderá encontrar mais informações sobre a vida e a obra de Esther Scliar em pesquisas acadêmicas e alguns sites que tratam sobre música brasileira. Abaixo organizei uma lista com os links de acesso aos materiais que encontrei sobre a compositora.

PESQUISAS ACADÊMICAS

SITES

Se você gostou deste post e das informações contidas nele, por favor, deixe um comentário. Caso você tenha mais informações sobre a compositora Esther Scliar, por favor, entre em contato através do e-mail contato@uterus.com.br.

Referências:

BRANCO, Cristine Marize Lima. O Método Esther Scliar de Teoria Musical: uma contribuição para a Música do Século XX. Anais Congresso da ABEM, 2008. HOLANDA, Joana Cunha e GERLING, Cristina Capparelli. A sonata para piano de Esther Scliar (1926-1978): linguagem harmônica e esquema formal. Anais da ANPPOM – Décimo Quinto Congresso, 2005. HOLANDA, Joana Cunha. Eunice Katunda (1915-1999) e Esther Scliar (1926-1978): trajetórias individuais e análise de Sonata de Louvação (1960) e Sonata para piano (1961). Tese de Doutorado em Música. UFRGS. Porto Alegre, 2006. MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da Música Brasileira: Popular, Erudita e Folclórica. São Paulo: ArtEditora: Publifolha, 1998. MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. PAZ, Ermelinda A. Esther Scliar e a formação teórico-prática do músico vocacional. In: Pedagogia Musical Brasileira no Século XX: metodologias e tendências. Brasília: Editora MusiMed, 2000. SCLIAR, Esther. Elementos de Teoria Musical. São Paulo: Novas Metas, 1986. SCLIAR, Esther. Fraseologia musical. Prefácio de Conrado Silva. Porto Alegre: Movimento, 2008. SCLIAR, Esther. Imbricata. Rio de Janeiro, Funarte, 1982.

10 respostas

  1. Deixei um comentário na postagem do seu artigo que a Dra. Ermelinda fez. Penso ter havido confusão entre “Instituo Villa-Lobos, da Uni-Rio” e Escola de Música Villa-Lobos. Grato e um abraço.

    1. Olá Luiz Carlos Araujo!
      Agradeço a sua contribuição. Vou revisar o texto e acrescentar a sua informação.
      Realmente Esther Scliar trabalhou em ambas as instituições: Instituto Villa-lobos e na Escola de Música Villa-lobos.
      Um abraço,
      Aline

    1. Fico feliz que tenhas gostado, Erika!
      Grata pelo seu comentário! O objetivo principal desse site é resgatar e divulgar referências musicais femininas.
      O seu comentário é um incentivo para dar continuidade ao trabalho.
      Sempre que precisar, por favor, entre em contato.
      Um abraço,
      Aline

  2. Muito bom conhecer um pouco mais da Esther Scliar. Ao mesmo tempo tem links e referencias de estudos relativos a ela. Muito obrigado! Vou compartilhar!

  3. Bom dia. Sou Crítico Musical, Jornalista e Musicólogo. Presidente da Academia de Musicologia do Brasil. Gostaria de lembrar mais um nome, bastante importante, dentre os discípulos da insigne Esther Scliar. Trata-se do Compositor Guilherme Bauer, em quem Guerra-Peixe, também seu professor, depositou a melhor das esperanças.

  4. Parabéns pelo trabalho, precioso quanto ao resgate e valorização dessa personlidade tão significativa nas várias frentes de atuação da música brasileira. Estou fazendo um trabalho de revisão bibliográfica que envolve o livro “Fraseologia Musical”. Saberia me informar se ela deixou mais conteúdos relacionados a análise musical em seus manuscritos? Caso sim, como poderia ter acesso?

    1. Olá, Walter! Muito obrigada! Gostaria de saber mais sobre o seu trabalho que envolve o livro “Fraseologia Musical” da Esther Scliar. Infelizmente eu não tive acesso aos manuscritos. Provavelmente estão em mãos de seus familiares. Um abraço, Aline

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