Uma das poucas mulheres listadas nos livros de história da música ocidental é personagem responsável por uma das biografias mais incríveis e enigmáticas do caminho da humanidade. Hildegard foi tema de pesquisas, livros e até roteiro para cinema. Dentre suas realizações, foi autora e pesquisadora, suas obras foram traduzidas para diferentes línguas. A vida e a obra da monja compositora Hildegard von Bingen permanece importante. Neste post você conhecerá fatos biográficos da vida e obra musical dessa personalidade que foi santificada pela Igreja Católica.
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Quem foi Hildegard von Bingen?
Hildegard von Bingen (1089-1179) nasceu em Bermersheim, Alemanha, e faleceu em 17 de setembro de 1179. Mulher de grandes e diversificadas atuações: pesquisadora, artista compositora, dramaturga e cientista. Foi canonizada em 1584 pelo Papa Gregório XIII. Viveu sua infância e adolescência dentro de um convento onde teve contato com estudos da escrita do latim e livros de conhecimento gerais da antiguidade. Aos 18 anos formou-se freira. Este artigo descreve uma breve síntese biográfica de Hildegard focada na sua atividade como compositora.
Como Hildegard tornou-se monja e compositora?
No período histórico vivido por Hildegard von Bingen era tradição das famílias alemãs entregarem alguns de seus filhos à Igreja Católica. Há registros que contam que o décimo filho precisava ser entregue à Igreja. Hildegard era a décima filha de sua família e foi entregue aos oito anos de idade ao Mosteiro de Disibodenberg na Alemanha. A própria Hildegard considerava-se uma oferenda a Deus. Cresceu em um eremitério feminino, anexo do mosteiro beneditino. Em 1136, aos 38 anos, tornou-se responsável pelo eremitério feminino. Em 1150 fundou o seu convento em Bingen, ficando conhecida e identificada através do nome da região.
Foi graças à sua formação como freira que Hildegard teve acesso à leitura, escrita e conhecimentos gerais da sua época.
Para tentar compreender o contexto em que Hildegard viveu e tudo que representou como uma mulher durante a Idade Média, podemos observar uma obra de Hieronymos Bosh. Em 1504 Hieronymos Bosh representava em sua pintura intitulada o “Jardim das delícias” a simbologia empregada à mulher durante a Idade Média. Mulher como um ser do pecado, representante de Eva, a mãe do pecado, que cometeu e induziu o homem ao pecado. Imagine, então, que Hindegard dizia receber suas composições musicais, diretamente, de Deus, numa época que poderia ser considerada bruxa e queimada na fogueira, enquanto apenas homens podiam cantar na igreja. Porém, para compreender melhor a mulher no período medieval assista o vídeo da minha xará:
Autores como Marinho (2013) e Pinheiro (2012) ressaltam a importância da compositora no papel da mulher na sociedade ocidental. Conforme Marinho (2013):
Ela foi a primeira de uma série de mulheres influentes tanto na religião como na política, e uma representante típica da aristocracia cultural beneditina. Orgulhosa de pertencer a uma elite social e espiritual, manteve-se, no entanto, humilde e submissa a Deus. A fama conquistada por Hildegard a permitiu ocupar um espaço inédito para uma mulher na história da religião. Inclusive, vale destacar que o elemento feminino é recorrente em toda a sua obra, e é por essa ótica que Hildegard se tornou, atualmente, objeto de interesse para o campo dos estudos culturais e de gênero (MARINHO, 2013, p. 2).
Vauchez apud Pinheiro (2012) assinala a construção da purificação histórica da mulher, símbolo do pecado no período:
Purificar a mulher de todas as suspeitas que sobre ela faziam pesar não só o papel essencial desempenhado por Eva no pecado original, como também a fraqueza intelectual e moral que lhe era atribuída por toda uma tradição literária com origem na Antiguidade, e que os autores medievais haviam subestimado (VAUCHEZ, apud PINHEIRO, 2012a, p. 5).
Em 2012 Hildegard foi proclamada Doutora da Igreja Universal pelo Papa São Bento XVI.
Quais foram as Obras Musicais de Hildegard von Bingen?
A monja compôs duas grandes obras musicais: o auto sacro chamado Ordo Virtutum (A Ordem das Virtudes) e a Symphonia armonie celestium revelationum (Sinfonia da Harmonia das Revelações Celestes). Trata-se de uma coletânea heterogênea de 77 peças musicais, canções para o uso litúrgico ou semi-litúrgico. As músicas serviam para a cura do espírito, como acreditava a monja. Foi inspirada em inúmeras visões.A produção poética-musical está ligada aos escritos teológicos e de cunho moralizante e pedagógico.
Aqui você pode apreciar um dos exemplos que contém disponível no youtube:
Aqui você tem acesso aos manuscritos digitalizados: http://depot.lias.be/delivery/DeliveryManagerServlet?dps_pid=IE9129581
Conforme Pinheiro (2012):
As obras de Hildegard nos oferecem uma constante visão do mundo, que resume com eloquência e em termos visionários a teoria medieval do microcosmo e do macrocosmo, herdada da teoria dos estóicos. O microcosmo, que era o homem, refletia o macrocosmo. O mundo que o rodeava e o destino do homem estava determinado pela sua interação com as forças ao seu redor. Esta teoria apesar de simplista oferecia um suporte para organizar a vida e o pensamento que teve tanta influência nos primeiros séculos medievais como, por exemplo, a teoria da evolução de Darwin, nos séculos XIX e XX. Uma das capacidades extraordinárias de Hildegard era visualizar este conceito com detalhismo notável. Alguns de seus primeiros manuscritos estão magnificamente ilustrados com muita fidelidade ao texto e é possível que a própria monja os tenha supervisionado (PINHEIRO, 2012a, p. 7).
Como compositora, Hildegard mostra-se conhecedora da técnica do organum. Sua música se caracteriza mais como monódica e melódica. Como característico do canto gregoriano, como sua música era modal. Usava, principalmente, o modo frígio e muitos melismas não utilizando recursos harmônicos e rítmicos. Devido à característica musical da época, que evitava o ritmo nas músicas, mesmo já sendo utilizada na Catedral de Notre Dame pelos vanguardistas musicais da época.
Considerações finais
A biografia de Hildegard não termina aqui, ela é uma história intensa, mística e cheia de mistérios ainda a serem revelados. Existe material internacional na área que possui mais dados sobre a obra musical da compositora. O legado da monja ficou mais enfatizado com o seu papel como mulher na sociedade medieval: vida mística e pesquisadora criativa. Trago para concluir as reflexões de Marinho (2013) sobre o legado que a Santa Doutora Compositora Artista trouxe e traz para nós até hoje:
Toda a sua obra aponta para as potencialidades do ser humano (enquanto alma, mente e corpo) quando este se percebe parte integrante de um cosmos. Hildegard é o chamado para um desafio há muito esquecido pela cultura ocidental: o de sermos tudo o que podemos ser. Se não tomamos essa postura como imperativo diário, sucumbimos ao tédio, à apatia, à comodidade. Talvez a lição maior dessa monja tenha sido, precisamente, a de não sucumbir frente às adversidades de seu tempo (MARINHO, 2013, p.1).
Para saber mais:
Filmes: ‘Visão: Da vida de Hildegard von Bingen
http://unisinos.br/blogs/ihu/sem-categoria/mistica-visionaria-de-hildegard-von-bingen/
https://www.imdb.com/title/tt0995850/
https://www.youtube.com/watch?v=2EH79p_YL6Q
https://www.youtube.com/watch?v=jaZX_hBnGkg
https://en.wikipedia.org/wiki/Vision_(film)
SITES
https://zeitgeistfilms.com/vision/hildegard.html
http://www.hildegard-society.org/p/home.html
https://healthyhildegard.com/hildegard-bingen-quotes/
http://www.52composers.com/hildegard.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Ordo_Virtutum
REFERÊNCIAS
MARINHO, Danielle. Dor e criação: o visionarismo de Hildegard von Bingen. Anais XIII Congresso Internacional da ABRALIC: Internacionalização do Regional.08 a 12 de julho de 2013,Campina Grande, PB. Disponível em: http://anais.abralic.org.br/trabalhos/Completo_Comunicacao_oral_idinscrito_1114_c848592a5a230d28fcfef9e169b8316d.pdf
Acesso em 14 de junho de 2014.
PINHEIRO, Mirtes Emilia. Hildegarda de Bingen: “Luz Iluminada pela Inspiração Divina”, 2012a Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/graphos/article/viewFile/16319/9348
PINHEIRO, Mirtes Emilia. As herboristas nas literaturas antiga e medieval: Circe, Hildegarda de Bingen e Isolda. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em Letras. Faculdade de Letras da UFMG, Belo Horizonte,
2012b.
Foi com enorme prazer que encontrei referências aos meus trabalhos no seu artigo. Compartilhar o saber, sobretudo em se tratando das mulheres medievais é excelente para revermos alguns conceitos a respeito do período.
Olá Mirtes Pinheiro!
Fico muito feliz com o seu comentário! Que bom que encontrou o meu artigo! Parabéns pelos seus trabalhos! Ajudaram-me a compreender o contexto de Hildegard von Birgen. Obrigada!
Um abraço,
Aline